LUIZ MARTINS DE SOUZA DANTAS: O EMBAIXADOR QUE PEITOU HITLER E VARGAS

Souza Dantas foi o maior embaixador brasileiro na França da História

Imagine ser de uma família judia em plena Europa de Hitler. Nessas condições, mesmo em locais que não pertenciam ao Reich, como a França de Vichy ou a Espanha, o risco de acabar num campo de concentração era alto e a imigração para fora do continente era visto como uma ótima solução.

Naquele cenário caótico, poucos países ofereciam refúgio aos perseguidos do tirano nazista. O Brasil, que vivia uma ditadura nacionalista, também representava um empecilho, mas muitos imigrantes recorreram à embaixada brasileira com o objetivo de fugir para a América.

“Meu pai e meu tio foram de Marselha para Vichy de trem. Foram recebidos pelo embaixador no hotel. Ele disse: ‘Não há muito que eu possa fazer’, e mostrou o telegrama que o proibia de dar vistos. Meu pai insistiu. Ao final da conversa, o embaixador disse: “Já é tarde. Por que vocês não se hospedam num hotel aqui perto e voltam amanhã de amanhã, que eu vou pensar?”, relatou um imigrante belga, Raphael Zimetbaum.

No dia seguinte, a família Zimetbaum conseguiu os documentos para vir ao Brasil. O responsável por essa abertura foi o embaixador do Brasil na França, Luiz Martins de Souza Dantas, um nome de extrema relevância no confronto dos líderes fascistas no Brasil e na Alemanha.

Na época, Souza Dantas era um homem de 64 anos, que não tinha sido aposentado apenas por força de Getúlio Vargas, que o manteve no cargo por notoriedade de seu trabalho diplomático. Nascido em 1876, na capital imperial, Dantas representou o país na Suíça, na Rússia, Itália, Argentina e França. Também liderou o Itamaraty por um breve tempo.

Por seguir uma tradição diplomática oitocentista, Dantas trabalhava a partir de relações plenamente pessoais, e se associava aos líderes de Estado em conversas consideravelmente casuais. Por esse motivo, tinha nas paredes da embaixada figuras distintas como Mussolini, Santos Dumont, Vittore Emanuelle e Raymond Poincaré. Também gastava fortunas em jantares esbanjados enquanto recolhia prestígio aonde ia.

Dantas foi o primeiro embaixador a mudar-se para a Vichy de Pétain, uma zona livre com influência hitlerista, durante o processo de ocupação. Ao mesmo tempo, manteve contrato com Paris, a fim de manter o Itamaraty informado. Nesse processo, fez questão de expedir vistos aos perseguidos políticos que procuravam fugir do escopo da Alemanha, o que ia contra as ordens de Vargas: impedir a concessão de documentos a qualquer semita ou “indesejáveis”.

Com medo do Gigante de São Borja, a maioria dos diplomatas brasileiros não descumpria as ordens da presidência (que eram anteriores à instauração do Estado Novo). Segundo o ministério de Oswaldo Aranha, vistos só podiam ser concedidos àqueles que apresentassem certidões negativas de antecedentes policiais, profissionais e de origem étnica.

Porém, os que procuravam Souza Dantas eram os apátridas declarados pela antiga Liga das Nações. “Ele assinava vistos até em cardápios de restaurantes”, afirmou o ator que o interpretou no filme Querido Embaixador.

Em dezembro de 1940, Aranha lançou o circular 1.498 que impedia a concessão de documentos a qualquer judeu. Para burlar essa reiteração, Dantas passou a assinar os papeis com datas anteriores à expedição. Por causa disso, em 1941, foi repreendido pelo governo e se tornou alvo de um inquérito. Porém, por pressão dos EUA, o Brasil começou a se inclinar para o lado dos Aliados e reduziu as represálias ao embaixador.

Então os alemães invadiram Vichy e foram de encontro à embaixada brasileira, atrás de arquivos. Com ajuda do conselheiro Trajano Medeiros do Paço, houve uma conversa com os membros da Gestapo, avisando-os que os papéis haviam sido queimados: “e por que fizeram isso?”; “Porque nós conhecemos vocês”.

A embaixada então foi invadida. Com pistolas alemãs na cabeça, Dantas saiu imponente, alertando: “Os senhores estão violando as leis das convenções internacionais. Estamos em solo brasileiro. Peço-lhes imediatamente que se afastem”. Ele ficou preso por meses na Alemanha, até ser liberado numa negociação de trocas de detentos com o Brasil.

A partir de então, Dantas passou ao ostracismo, e morreu em 1954, num quarto do Grand Hôtel em Paris, aos 78 anos, com a saúde deteriorada. Hoje, seu nome está entre os homenageados do Jardim dos Justos em Israel, que rememora aqueles que colaboraram com as vítimas do Holocausto judeu.

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